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[AS BÁRBARAS DO CENA E AS JOVENS HELIODORAS] MARATONA DE NOVA YORK

Foto: Humberto Araújo
Foto: Humberto Araújo

 

{um olhar}

Maratona de NY: artistas e festivais na corrida do sistema

Brasília, 28 de agosto de 2017.

Formigas colombianas,

Essa é uma crítica que corre

Uma crítica que de-sa-ce-le-ra

Uma crítica que que se supera

Uma crítica que perde

Uma crítica que ganha

Uma crítica que questiona processo

Uma crítica que critica além da cena.

O espetáculo de vocês, Maratona de Nova Iorque, do grupo El Hormiguero Teatro, que se apresentou ontem no Teatro Sesc Gararem, dentro da programação do Cena Contemporânea 2017, me levou a uma reflexão que transborda a pista da maratona cênica.  Dois homens correm, enquanto dialogam a dramaturgia escrita por Edoardo Eba. Apenas. Correm durante uma hora. Apenas. Seguindo a direção de Gianluca Barbadori. Apenas. E, ao mesmo passo em que a genuidade sintética do trabalho de vocês me leva ao “Teatro Pobre” (1968), clamado pelo polaco Jerzy Grotowiski, ou ao “Teatro Essencial”, proposto pela paranaense Denise Stoklos, fico pensando sobre a lógica do capital que muitas vezes se impõe sobre as nossas produções e as dos festivais de cultura.

Há quem diga que teatro deve ter foco na relação do artista da cena com o público. O mínimo de recursos para o máximo de teatralidade. E deve fugir das pombas ou parafernalhas técnicas para centrar-se no trabalho de atores e atrizes, como vocês fazem duma forma refinada e que rompe com nossas expectativas de superabundância imagética. Pra mim, todo teatro é possível e não há teatro melhor que outro. Em tempos onde somos bombardeados de signos por todas as partes, inclusive no teatro contemporâneo, vocês nos trazem quase nada de sonoplastia, quase nada de cenário, nada de maquiagem, dois moletons, dois pares de tênis e um treinamento que os fazem correr por um longo tempo. Ainda assim, submergimos preenchidos nesse ritmo de corrida. Objetivo, simples, ofegante e limpo.

Num país em crise, a primeira a perder corpo na maratona dos orçamentos públicos é a Cultura. Não à toa extinguiram nosso ministério logo após o golpe político que vivemos no Brasil, de 2016 até agora. Gestores públicos não compreendem cultura como direito, não a tem como prioridade. Por esse motivo, os festivais de cultura em todo o país estão com verbas cada vez mais escassas. Fazer um festival consistente se tornou ato de resistência. Coincidência ou não, todos os trabalhos que assisti até agora no Cena Contemporânea 2017 são trabalhos sintéticos. Consequentemente, demandam menos produção e menos verba. É provável que a curadoria tenha sido obrigada a se pautar a partir da questão financeira.

Eis que caímos no dilema: produzir para se adequar e circular? Submeter a criação artística à lógica do mercado? Selecionar pelo preço? Precisamos sobreviver, precisamos de praticidade, precisamos ser econômicos, precisamos realizar festivais. Precisamos, na verdade, brigar por políticas públicas, mas, ao mesmo tempo, brigar para não depender só delas. Porém, tolher a criação pode não ser uma boa saída. Às vezes entramos na maratona das pequenas produções para não ficar atrás na maratona do capital. Não que esse seja o caso de vocês, formigas, mas lanço a provocação a todos nós e ao festival.

A diretora francesa Ariane Mnouchkine, na década de 1970, ocupou uma antiga fábrica de armamentos e fundou a Cartoucherie, onde são criados e apresentados os grandiosos espetáculos do Théâtre du Soleil. O Clowns de Shakespeare, de Natal (RN), fundou o Barracão Clows para caberem seus trabalhos. Pode não parecer, mas ambos possuem apertos para produzirem suas obras do tamanho que elas devem ser, de acordo com seus anseios criativos. São escolhas que geram consequências. Não se trata aqui de responsabilizarmos os artistas ou os realizadores de festivais, mas o próprio Estado, o sistema e o capital que muitas vezes nos levam à lógica da sobrevivência pela redução criativa. Estejamos cientes disso para não corrermos de olhos fechados, fingindo que nada está acontecendo. O desafio é: como correr no contrafluxo da multidão?

Com carinho,

Danilo*

*Danilo Castro é ator, jornalista e pesquisador em Artes Cênicas. Escreve, entre outros, em blog próprio (http://odanilocastro.blogspot.com.br)

 

Publicado em 29 de agosto de 2017