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[CRÍTICA] [ALICIA DESPUÉS DE ALICIA]

Foto: Nityama Macrini

Entre as virtualidades e presencialidades de Alicia

Brasília, 2 de setembro de 2018

Kabia Teatro,

As técnicas de videomapping têm cada vez mais adentrado firme nos espetáculos de teatro de grandes produções. Em especial, obras de teatro musical, com franquias mundiais, dentre outras obras de circuito mercadológico vão se apropriando desses recursos que fazem parte de um caminho sem volta em tempos de avanços tecnológicos e de desenvolvimento de efeitos digitais nas linguagens artísticas. Artistas da música pop também têm se utilizado desses recursos nos seus shows, trazendo uma superabundância sígnica que envolve e deslumbra. Obviamente de diversos grupos consistentes na contemporaneidade também têm se debruçado sobre essa pesquisa estética interdisciplinar. Assim é o que vocês fazem em “Alicia después de Alicia”, espetáculo espanhol apresentado durante o Cena Contemporânea 2018.

Alicia é uma mulher de quarenta anos que vive um momento denso psicologicamente, onde se vê outra vez diante do sonho em se tornar artista – que parecia ter ficado perdido na infância. Tudo isso sob uma estética imagética inspirada livremente no clássico Alice no País das Maravilhas (1865), de Lewis Carroll. O caos interior da protagonista transborda em diversas imagens que se intercambiam entre a presencialidade inerente das artes cênicas e a virtualidade de um universo impalpável, criado por meio da tecnologia. E vocês, Kabia Teatro, mergulham sem medo nesse território irreal das artes digitais na cenografia propostas por Eskenitek e Joseba Uríbarri.

Daí me vi diante de um trabalho que parecia ofuscar a genuidade da presença que a cena teatral traz ao mesmo tempo em que a obra promovia um encantamento no público por conta dos recursos tecnológicos audiovisuais. Essa sensação me colocou no meio de dois mundos que, aos meus olhos, não conseguiam se abraçar de uma maneira fluida. Seria devido a uma questão ideológica na minha apreciação? Talvez. Mas também devido às características das apostas feitas por vocês. Diante disto, fui me distanciando e aguçando uma apreciação ativa para tentar compreender níveis mais profundos da proposta – as provocações trazidas, os discursos. Porém, as opções estéticas e poéticas feitas para o trabalho não me permitiam adentrar camadas mais adentro da própria obra – estava eu ludibriado.

Tentei ao máximo fugir de qualquer moralismo que pudesse haver na minha apreciação e, ainda assim, me vi distante. Cheguei à conclusão de que a minha questão não foi com a poesia visual trazida, mas com as escolhas dentro dessa poética. Os recursos digitais de fácil assimilação como pássaros, plantas, fogo, notas musicais, chuva, nuvens, pontos de interrogação, “FIM”, dentre outros, foram me colocando num lugar de obviedades e aquilo que poderia romper com as estruturas de uma encenação tradicional, parecia reforçar, por meio da tecnologia, tradições. Isso porque os signos que banham o público durante nossa apreciação talvez não sacudam o cotidiano, apesar dos recursos oníricos e da qualidade técnica da produção.

Com respeito,

Danilo.

*Danilo Castro é ator, graduado em Artes Cênicas (IFCE); jornalista, graduado em Comunicação (UFC), mestre em Artes cênicas (UnB) e autor do blog de críticas (www.odanilocastro.blogspot.com).  

Publicado em 4 de setembro de 2018