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[CRÍTICA] [JARDÍN DE INVIERNO]

Foto: Rômulo Juracy

No último espetáculo que assisto no Cena Contemporânea, um brinde ao silêncio e ao intenso diálogo proposto pelo corpo. A Cielo Raso, companhia de dança criada por uma parceria entre Brasil e Espanha, mostra que é possível dizer muito além das palavras. A cenografia inteligente encheu o palco de balões que flutuam e mudam de lugar a partir do movimento dos bailarinos. Leveza, sonho, encontros e decepções se entrelaçam em uma coreografia que parece dar protagonismo às relações humanas.

A iluminação cria uma bonita ilusão de silhuetas no palco e assistimos o espetáculo em uma quase penumbra, acompanhados por uma luz dourada de um painel que percorre o fundo do palco. Por vezes, é possível esquecer a personalização dos intérpretes em cena e acompanhar os movimentos como se representassem todo e qualquer corpo existente. Permito-me mergulhar.

A trilha sonora é completamente imersiva e se ajusta perfeitamente à atmosfera de força, delicadeza e atenção que se forma no espaço. Cheio de transições, o espetáculo caminha com facilidade entre solos, movimentos em grupos, pequenos toques, calmaria e explosão. O jardim de balões pretos se desfaz aos poucos, abrindo espaço para que as relações entre cada personagem se formem com ainda mais propriedade. A interpretação é cheia de sutilezas e cabe bem ao que é proposto.

A companhia de dança contemporânea foi fundada em 2009 a partir do encontro entre a brasileira “Teatro de Açúcar” e a basca “Igor Calonge”. No palco, o frescor dos encontros e a possibilidade dos conflitos. Respiro aliviada, o público parece permanecer em sintonia, de braços e peitos abertos. Gosto de estar assim, imersa nos caminhos criados pela poética da cena a ponto de esquecer os pensamentos.

Teatro, dança, música e movimento e poesia se misturam para criar a narrativa. Gosto de encerrar a temporada assim. Afinal, permitir a conexão e a desconexão entre os corpos é também uma revolução.

Isabella de Andrade.

* Isabella de Andrade é escritora, atriz e jornalista, graduada em Comunicação Social (UnB) e Artes Cênicas (UnB). Publicou o livro Veracidade (2015) e participou da antologia poética Casa do Desejo – Literaturas que desejamos, lançada na Flip em 2018. Idealizadora do projeto oCiclorama (www.ociclorama.com)

Publicado em 4 de setembro de 2018