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[CRÍTICA] [SHAKESPEARE INÉDITO]

F0to: Junior Aragão

Sérgio Maggio*

Há um gosto de novidade na forma como a companhia argentina The Behrens Theatre propõe investigar o clássico universo Shakespeare. Esse tempero está disposto no jogo de cumplicidade estabelecido entre companhia e espectador. Desde os primeiros instantes, o diretor Ricardo Behrens, como uma espécie de maitre, acirra o apetite do público numa interessante cumplicidade clownesca.

É dada a entregue a plateia a chave dramatúrgica que vai mover uma narrativa modificada ao vivo pelo diretor. No Teatro Sesc Newton Rossi, em Ceilândia, os espectadores decidiram que as personagens deveriam morrer por uma espécie de coceira misteriosa. Assim foi conduzida o caminho da escrita cênica, tendo Behrens como um maestro de cena, onipresente, que chega, em alguns momentos, a reger a iluminação.

Dessa maneira, a proposta convidativa em sua natureza, mas é bem mais atraente ao público não iniciado na dramaturgia do bardo. Para quem já leu e viu muito, a criatividade investigativa do grupo esbarra-se na perda poética dos escritos do bardo inglês.

Quatro das mais estupendas personagens, Julieta, Lady Macbeth, Ricardo III e Hamlet, são apresentados, de forma bem rascunhada, e movimentam-se numa trama que dialoga com estruturas narrativas de Shakespeare bem elementares.

Behrens move o jogo em comandos ditos ao cochicho, no ouvidos dos atores. Acompanhar a peça por esse ponto de vista é uma das dinâmicas possíveis da peça-jogo argentina. O elenco, aliás, é um dos bons trunfos de “Shakespeare Inédito”. Marcela Bea, Gustavo Caletti, Paco Redondo e Sthephanie Troiano prendem a atenção da plateia em cenas moldados no calor da hora. Essa boa performance do grupo vence as barreiras da língua, já que a peça não pode ser traduzida devido a condução dinâmica em cena.

A proposta mais interessante de Shakespeare Novo” está no evidente potencial de convidar jovens a mergulharem nas leituras individuais das peças de Shakespeare. Se a mistura das personagens parecem enfraquecê-las e estigmatizá-las como caricaturas, o resultado confortável e encantador instiga o espectador atento a visitar as quatro obras-primas citadas: “Hamlet”, “Romeu & Julieta”, “Macbeth” e “Ricardo III”.

Sérgio Maggio é mestre em crítica teatral pela UnB e diretor-dramaturgo do Criaturas Alaranjadas Núcleo de Criação Continuada

 

Publicado em 3 de setembro de 2018