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[CRÍTICA] [CRIA]

Foto: Humberto Araujo

CRIA se constrói entre o riso, a poesia, o questionamento e a descoberta. Em cena, Caísa Tibúrcio e Nara Faria se equilibram em sintonia entre as palavras e o movimento constante da gangorra. A direção de Ana Flávia Garcia, como era de se esperar, parece enriquecer a cada instante o trabalho das atrizes. Comicidade e poética na medida certa. É possível questionar o mundo, pensar no dia e embaralhar o cotidiano sem se esquecer do riso. O espetáculo é leve, ainda que cheio de reflexões. Propõe-se a falar das rupturas e vazios sem perder o encantamento. É uma delícia submergir assim.

Melhor ainda é conhecer um texto cheio de pequenas e grandes descobertas, saltos e calmaria sem se deixar levar pela pretensão. No palco, duas mulheres vivem em constante transição ao se depararem com as mudanças do espaço/tempo. Frente a frente com as mutações das dimensões físicas as duas figuras transitam entre diferentes formas, tempos, espaços, caminhos e personalidades. O real e o imaginário se encontram todo o tempo e acompanhamos com curiosidade a próxima parada a se ocupar por aqueles dois corpos maleáveis.

Para enriquecer o movimento constante, um figurino leve que flutua em cena como as duas atrizes. Gosto imensamente da combinação entre o tecido leve dos vestidos e o vai e vem da gangorra. No início, a escuridão e a tinta nos braços cria a ilusão de que somos apresentados a dois seres fragmentados. O espetáculo se inicia e, com força e talento, Caísa e Nara envolvem o espectador sem precisar mover um único dedo. Voz firma, expressões envolventes e um ritmo certeiro para criar uma comicidade sutil.

Apenas com os olhos, as duas mulheres nos mostram abismos, saltos imensos, expectativa pelo novo, receio frente às transformações. A necessidade de adaptar constantemente é posta à prova. O que faremos ao perceber que estamos onde jamais sonhamos ir? Para viver em trânsito, um constante ajuste de pesos, a busca pelo equilíbrio ou a liberdade de ceder ao outro. Altos e baixo, recomeços e quedas. O espetáculo coloca em jogo o questionamento: Que ambientes se localizam entre o conforto da rotina e o abismo? Junto a elas, nos propomos a questionar as próprias estabilidades s instabilidades dos caminhos.

Todo o jogo cênico se propõe a criar uma atmosfera de imersão e encantamento. A iluminação é pensada para nos fazer viajar. No início, o fragmento e, ao fim, a amplitude de cores, movimentos, sons e imensidões que nos levam a encerrar aquele instante sem a necessidade de dar por encerrada a narrativa. A criação continua e é preciso, apenas, deixar-se levar.

 

Isabella de Andrade é escritora, atriz e jornalista, graduada em Comunicação Social (UnB) e Artes Cênicas (UnB). Publicou o livro Veracidade (2015) e participou da antologia poética Casa do Desejo – Literaturas que desejamos, lançada na Flip em 2018. Idealizadora do projeto oCiclorama (www.ociclorama.com)

Publicado em 27 de agosto de 2018