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[CRÍTICA] [SALVE, MALALA!]

Foto: Junior Aragão

Malala para ampliar a escuta como negação das censuras

 

Brasília, 2 de setembro de 2018

Cia La Leche (SP),

A política é um processo de negociação constante, uma disputa de narrativas que compõem a história. E somos seres políticos no mundo, estamos em um perene conflito ideológico do que será perpetuado ao longo dos tempos. O sistema impõe como marco a perspectiva de mais fácil assimilação, a visão do “vencedor”, em geral tido como o mais forte. Na contramão disso, uma força pulsa em nós para que não sejamos esmagados pelo tempo, pelo esquecimento, pela perversidade das estruturas de dominação no mundo. É nesse percurso que o espetáculo infantil “Salve, Malala!”, apresentado no Teatro Plínio Marcos, da Funarte Brasília, está caminhando.

Ao questionar “De que lado você está?”, o Festival Cena Contemporânea 2018 nos convoca para que possamos assumir um lado na história que nosso país vem tomando nesses últimos dois anos, após o golpe político que sofremos, que vem retrocedendo os direitos sociais arduamente conquistados. Vocês, ao nos trazerem a história contemporânea e real da jovem paquistanesa Malala, ativista que, por sua militância, quase morreu após levar tiros no rosto em um atentado dos Taliban (2012), estão encorpando a narrativa da luta, perpetuando a trajetória de uma adolescente que, aos 15 anos, foi responsável por uma revolução na educação paquistanesa, onde meninas vinham sendo impedidas de estudar.

A luta de Malala não está descolada das nossas demandas e disputas políticas. No Brasil, a resistência dos secundaristas, que tiveram a grade curricular reformada sem debate no governo ilegítimo, em 2017, flexibilizando disciplinas essenciais como artes, história e filosofia, são um exemplo. A luta dos universitários em todo o país, que vivem hoje o sucateamento das universidades federais após a emenda constitucional 95/2016, responsável por congelar investimentos em educação até 2036, é outro exemplo dentre tantos massacres que o Brasil vem sofrendo em áreas essenciais. Tudo isso só evidencia o quanto o trabalho de vocês é basilar, atravessando diretamente o conceito proposto pelo festival.

A participação das crianças, quando são questionadas sobre o que querem para o futuro, é um achado no trabalho – momento em que vocês conseguem interagir com aquela plateia sedenta por participação. Então questiono: porque não ampliar e qualificar essa escuta? Por que não perguntar para elas o que fazer para resolver o problema da educação no Brasil já que o trabalho de vocês é uma convocatória à militância política? A participação social é um princípio fundamental previsto na nossa Constituição de 1988, construída com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), da Organização das Nações Unidas. 66 anos depois desse marco regulatório no mundo, Malala recebeu o Prêmio Nobel da Paz por agir SEM TEMER em nome do seu povo. Ainda assim, continuamos sendo submetidos, em diversas nações, à censura, à tortura, à violação das nossas liberdades e dos nossos direitos sociais e políticos. Por isso, talvez instigar a fala das crianças pode potencializar ainda mais a obra de vocês, além de colocar-lhes diante do risco do improviso durante os diálogos.

Na composição dos artistas da cena Alessandro Hernandez e Léia Rapozo, vemos uma série de personagens que vão se construindo a partir da inventividade e fabulação propostas com signos trazidos ao palco – sapatos, vestidos, casacos e outros objetos. Nesse processo, trago à reflexão o tom proposto para a interpretação. Pode ser um dilema quando nos colocamos em cena como crianças, tarefa tênue. O limiar entre um trabalho consistente ou infantilizado pode ser borrado. Então cabe a nós nos debruçarmos ainda mais sobre esse terreno para que as sutilezas e as inocências naturais das crianças não se transformem em um simulacro no nosso trabalho enquanto atores e atrizes.

Salve, Malala! Salve a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas!

Danilo.

*Danilo Castro é ator, graduado em Artes Cênicas (IFCE); jornalista, graduado em Comunicação (UFC), mestre em Artes cênicas (UnB) e autor do blog de críticas (www.odanilocastro.blogspot.com).

Publicado em 3 de setembro de 2018