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[CRÍTICA] [SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO]

 

Foto: Nityama Macrini

Sérgio Maggio*

Tenho uma relação intensa e juvenil com o texto “Sonho de Uma Noite de Verão”, de William Shakespeare. É tão crucial que não gosto de ver muitas encenações da peça, com receio de me decepcionar com propostas conservadoras. Li e reli na minha adolescência essa obra, que, para alguns especialistas sisudos, não está no rol de dramaturgias-primas do bardo inglês. Talvez, porque seja popular demais e esteja num campo da comédia. E definitivamente especialistas sisudos não gostam de rir.

Na minha concepção, “Sonho de Uma Noite de Verão”, o texto, é um deleite dramatúrgico no qual Shakespeare é antropofágico, mistura mundos visíveis e invisíveis, culturas e lendas captadas mundo afora. O escritor trabalha ainda deliciosamente o jogo de espelhamentos e a comédia de erros. É uma festa, um sonho, e como todo sonho precisa ser captado na desordem onírica.

E foi exatamente esse o caminho seguido pelo grupo Celeiro das Antas. Essa improbabilidade dos sonhos foi magistralmente posta no palco do Teatro Sesc Newton Rossi com singularidade. Nunca poderia imaginar assistir à montagem desse texto, que requer tantos cenários e personagens, num palco nu e a partir de somente quatro corpos de atores clownescos.

De imediato, essa adaptação de “Sonho de Uma Noite de Verão” ressuscitou em mim o frescor da leitura juvenil. Em alguns momentos, parecia estar diante do meu livro adolescente de capinha vermelha descobrindo mundos.  Mestre em humor, o diretor José Regino explora um naipe de truques e linguagens de clowns e de comicidades diversas. Como num filme, vi passar diante dos meus olhos flashes de Os Três Patetas, O Gordo e O Magro, Chaplin, Chaves, Arlequim e a commedia d´art e, claro, a pesquisa desse engenhoso comediante que assina a direção de uma peça-desafio.

Em cena, quatro atores únicos, que merecem ser destacados um a um:

  1. Elisa Carneiro é uma atriz clownesca nata. Põe a plateia pra rir com uma virada de olho ou uma puxada de ombros. É sútil e drástica. Traz essas nuances dialógicas em sua composição.
  2. Kelly Costty tem um timming de humor sofisticado. Ela consegue encantar e desencantar a plateia em segundos, descontroem imagens corporais com uma facilidade impressionante, quebra estereótipos. Rapidamente, entendemos que ela pode fazer o que quiser. Será sempre surpreendente.  
  3. Rodrigo Lélis é dono de uma potente habilidade circense e tem o tom perfeito para brincar consigo mesmo, além de um carisma que cresce minuto a minuto. Traz ainda uma intimidade com a linguagem de rua que é credível. Em cena, é um Macunaíma. Impossível contê-lo num molde.
  4. Felix Saab surpreende pela capacidade de criar tipos tão rapidamente na cena e com poucos recursos que não seja o corpo-voz. É um ator forte em cena e um palhaço cativante.       

Juntos, eles fazem de “Sonho de Uma Noite de Verão” uma partida de futebol, no qual o público, de maioria jovem, vibra em cada lance. Há muitos gols, mas o de placa é trazer Shakespeare para bem pertinho dessa moçada.

Não poderia terminar essa minha tarefa de crítico desta edição do Cena Contemporânea tão em estado de êxtase e de pertencimento. “Sonho de Uma Noite de Verão”, do Celeiro das Antas, é a materialização do frescor e a esperança de um teatro popular e capaz de diálogos tão intensos entre palco e plateia. O estado de felicidade da juventude que deixou o Newton Rossi, aliás, era a prova máxima da capacidade do teatro de mover mundos. Havia brilhos nos olhos e, quando os olhos dos espectadores brilham, formamos plateias.

Sérgio Maggio é mestre em crítica teatral pela UnB e diretor-dramaturgo do Criaturas Alaranjadas Núcleo de Criação Continuada

 

Publicado em 3 de setembro de 2018