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[CRÍTICA] [OS BEATNIKS EM PSICOSE]

Foto: Rômulo Juracy 

Teatro-cinema, crítica e a propriedade política do riso

Brasília, 24 de agosto de 2018.

Novos Candangos,

Esta carta é para as várias camadas que existem em vocês e no trabalho que assisti no Teatro Goldoni, a céu aberto, sob a secura da noite no cerrado. Os Beatniks em Psicose é uma obra onde vocês, artistas, se travestem de outros artistas que se debruçam sobre uma encenação cinematográfica numa releitura do clássico Psicose (1960), de Hitchcock.  É a vida, que está dentro teatro, que está dentro do teatro outra vez, que está dentro do cinema, esfacelando ao mesmo tempo em que cria aparências entre cenotécnica, produção, direção, trabalho de atores e atrizes, sonoplastia, figuração e as tantas áreas desse mix de linguagens entre audiovisual e cena presencial.

Não poderia deixar de trazer aqui a relação que fiz com os trabalhos de Christiane Jatahy em A floresta que anda e em E se elas fossem para Moscou?. Ou a relação com parte dos espetáculos recentes do Teatro Oficina, que se deixam atravessar entre a experimentação da intercambialidade que as duas linguagens promovem. Ou o trabalho Baldio, do grupo Pavilhão da Magnólia (CE), que também se coloca diante do risco artístico e interdisciplinar entre teatro e audiovisual. E como vocês se jogam nessas metalinguagens, vou me performar aqui numa metacrítica também. Até porque venho me debruçando sobre “as questões” de um trabalho quando me deparo com ele muito mais do que sobre uma análise a partir de um grid com fórmulas prontas, como alguns nós, críticos e críticas, fazemos.

Daí não faz sentido, pra mim, aquela crítica que diz que o trabalho é excelente ou péssimo, que vale ou não a pena assisti-lo, que a atuação da atriz é incrível ou frágil. O que busco é entender o sentido de suas obras apresentadas neste tempo. Vou tentando agir como um detetive que caça “o mote”, que os levou até essa realização. Foi aí que me deparei com o sentido político que o riso é capaz de provocar, ainda que seja diante de uma comédia-pastelão-melodramática-sangrenta, que em muito se apropria do nonsense como poética, me lembrando inclusive o Mata Mata Mata-me, amor!, do grupo Teatro Podre (DF).

O riso, ao mesmo tempo em que pode anestesiar e provocar uma apreciação alienante, pode também promover reflexões pertinentes aos nossos tempos – eis a sua importância. E pra nós, artistas quando estamos em cena, se ficamos reféns do riso, a procura dele como uma necessidade, podemos ir dissipando essa força própria da presencialidade que o teatro nos proporciona e que a espontaneidade do riso traz. E não digo isso como uma aversão ao pop que vocês introjetam desavergonhadamente no teatro-cinema de vocês. Mas que essas características surjam mais como estratégia dramatúrgica de leveza e força política do que prioritariamente para fazer-nos rir. Quem sabe, a beleza da comicidade esteja no simulacro criado pelo artista ao ficcionalizar não saber exatamente que o que faz é engraçado.

Talvez (e digo talvez em autocrítica porque não acho que é meu papel julgar a partir do que eu queria que a obra fosse), relocar a cena da coletiva de imprensa para o início ou o fim do trabalho traga mais verossimilhança do que interromper a encenação para executar o trecho. Abrir para mais perguntas do público no intuito de colocar vocês, artistas, ainda mais em risco diante do improviso que vocês já trabalham em cena, pode ser uma forma de aproximar-nos mais como co-criadores cênicos. Talvez, engabelar menos repetições e ir direto ao ponto nos discursos dos atores do Beatnicks pode dar mais celeridade à obra. Essas são sugestões às suas escolhas, afinal não é papel de um metacrítico impor verdades a um trabalho artístico. Estou aqui para gerar crise, como diz a etimologia da palavra “crítica”, mas principalmente para dialogar.

Cordialmente,

Danilo.

*Danilo Castro é ator, graduado em Artes Cênicas (IFCE); jornalista, graduado em Comunicação (UFC) e mestre em Artes cênicas (UnB).

Publicado em 26 de agosto de 2018