[AS BÁRBARAS DO CENA E AS JOVENS HELIODORAS] TREMOR AND MORE
{um olhar}
Que mesa é a minha?
Complemento de mesa é cadeira, onde senta o corpo para se por à mesa. A mesa atrai corpos sentados, parados. A mesa é arena das ideias, onde as conversas se aglomeram logo após rolarem boca afora, onde as comidas se acumulam logo antes de rolarem boca adentro. À mesa, esquece-se pés, pernas, quadril, cintura, tronco. À mesa, reina a boca, os olhos, o rosto, o pescoço, os ombros, os braços, as mãos. A mesa é nobre. E é próprio das nobrezas recusarem o chão e seus simpatizantes, como é o térreo do corpo. É próprio da nobreza as alturas, as coberturas, as moradas com vista para o mar. Na mesa, calamos e escondemos o proletariado do corpo para parecermos, assim, animais melhores, mais nobres.
Quando não se complementa a mesa com a cadeira, o que faz o corpo? Não para. Não senta. Não cala. Uma mesa sem cadeira escancara o silencio do corpo. A mesa é música. A música é uma mulher e uma guitarra que cantam, é um ritmo pulsando. A mesa é pulso. E o corpo exposto nesse interrogatório treme em agonia. Ele fala pelos cotovelos, é descadeirado, é inevitável, é incontrolável, e traça os próprios caminhos carnavais sem que assim decidam os membros da cobertura. O corpo vira conversa interna-externa, é entre duas coisas: o que vemos e o que não vemos. É movimento que transforma a si mesmo em fluxo infinito e imprevisto. É debate, digo, debate-se em volta da mesa. É a falta da cadeira, é a falta de parar, é improviso.
É irônico que esse mesmo corpo tão perto da liberdade ofereça o próprio pescoço ao seu carrasco. Depois de conquistado o movimento, o espaço, o chão, as dinâmicas, arrepende-se, retorna à mesa. Refugia-se sob a mesa como uma criança na barra da saia da mãe, com vergonha do público, de si, do próprio movimento, escondido da luz que abriu seu corpo à visão. A mesa é uma desculpa para que o corpo não voe.
E se retiro também a mesa? Quem sou eu?
Roberto Dagô, integrante do grupo de pesquisa Jovens Curadores
{um outro olhar}
Tremor and More and more and more
Um dos fenômenos que mais me trouxeram referências sobre o meu próprio corpo, sobre o valor material e abstrato que este carrega e sobre a importância/desimportância de existir foi conviver com uma gata. Selvagem, carinhosa, sensível e carente ela me mostra como usar o meu corpo para expressar um tanto de emoções, sensações, pensamentos e ideias que uma infância na frente da televisão, um final de adolescência na frente de um computador e uma idade adulta com a cabeça enfiada dentro de um smartphone me impede de expressar. Melhor ainda é que a gata não me mostra, eu que vejo. Ela apenas é gata, pelo menos eu quero crer. Aquele ondulamento na coluna, a cauda que vibra diferente em cada parte de si, aqueles dedos que se abrem para brotar garras, o caminhar e tanto mais.
Ou seja, fico horas em observação à Raxinha, sonhando acordado, aprendendo a tremer e mais muito mais movimentos.
Tremor and More abre um espaço de devaneio. Bachelard, em Poética do Espaço, fala do devaneio como o sonho acordado. O descompromisso com a construção de um narrativa, o encontro com um corpo que se move e a disponibilidade em deixar-se mover por dentro e por fora é a grande provocação desse trabalho.
Sinto muita falta de obras, como essa, que nos provoquem para além das nossas consciências. Obras que sacudam nossos inconscientes, massageiem as urgências do cotidiano para abrir um espaço de deslocamento que as histórias não abrem.
Quero mais obras de abstração, de estudos, de experiência.
Tremor and More tremeu em mim como de tempos em tempos movia toda a plateia inquieta em suas poltronas. Ora íamos, ora voltávamos. Despertos, disponíveis para um deslocar no corpo.
Leonardo Shamah, pesquisador, diretor e provocador.