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[CRÍTICA] [DOMÍNIO PÚBLICO]

Foto: Rômulo Juracy

Sérgio Maggio*

A performance “Domínio Público” nasce como uma poderosa junção política frente ao fascismo. O projeto em si e a sua circulação Brasil afora são atos de resistência. Estar acolhido em Brasília, capital do poder em crise, e ser apresentado no principal espaço museológico da cidade fazem ainda do projeto uma resposta frontal ao discurso da ultradireita que nos ameaça democraticamente com violência e censura.

Há, portanto, um ato de profundo respeito e de admiração ao projeto, que reúne em cena Elisabete Finger, Maikon K, Renata Carvalho e Wagner Schwartz. Sobre esse quarteto, foi despejado uma inimaginável onda de ódio e de julgamentos. Ameaças de morte e perseguições sob as diversas faces da censura.

“Domínio Público” surge, então, como uma resposta frente ao tempo de trevas que nos ameaça. Em sua concepção, nasce estrategicamente girando a chave enérgica recebida pelos seus algozes. Em vez do tom de vítima, prevalece a consciência. Em resposta ao culto à ignorância, a informação. Contra o grito de ódio, a palidez da voz. A proposta surge inteligente ao partir em torno da aura artística que paira sobre o quadro “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci, e sobre o mercado de arte que a faz “a obra das obras”.   

Ao se materializar no palco, no entanto, “Domínio Público”, perde a vitalidade da criação. Por um motivo crucial: os artistas miraram a performance na plateia errada. Quem vai assistir a “Domínio Público” é contra os ataques. Trata-se de um público afável, que possivelmente sabe o sentido do nu artístico numa obra de arte e da força da representatividade na cena. Talvez, compartilhe com a ideia de levar os filhos numa experiência artística adulta como forma de emancipação educacional. Em comum, abomina qualquer forma de censura.

Assim, não funciona a estratégia erguida por “Domínio Público” para um espectador que sente o desejo de debater com profundidade as causas e as consequências desses “eventos” odiosos a partir dos corpos desses quatro performances.

Ao optar licitamente por não ter qualquer teatralidade (nos campos da interpretação, da dramaturgia, da luz, do cenário e do figurino), o projeto desce, ao nível mínimo, as camadas de subjetividades. A opção em simular uma espécie de “seminário sobre história da arte”, no qual o fluxo denotativo e didático prevalece sobre as imagens e os sentidos provocados pela teatralidade, quebra-se o interesse da recepção para uma sessão cujo locus pertence a um festival de teatro.

Lido por Maikon K, o texto de abertura, colhido na Wikipédia sobre o tema, é quase um não diálogo com uma plateia iniciada e sedenta em acolher o grupo e os caminhos que os levou ao palco e àquela proposta teoricamente em base teatral.

É emocionante ouvir e ver Renata Carvalho fazendo uma leitura do quadro a partir do seu corpo trans dissidente, como também melhora o interesse em acompanhar Wagner apontar ironicamente as contradições do mercado de arte.  Mas esses discursos não são suficientes para superar um sentimento frustrante em relação à fruição da obra e o seu devir. Quando Elisabete Finger entra, paira uma certa saturação, ruído do excesso de informação, por vezes, repetida.

Acredito que se a performance “Domínio Público” estivesse aberta ao mundo, em plataforma digital, a reação seria completamente diversificada. Em caixa cênica, não afeta potentemente os corpos ouvintes, que comungam com as razões justas desses quatro bravos artistas.

Sérgio Maggio é mestre em crítica teatral pela UnB e diretor-dramaturgo do Criaturas Alaranjadas Núcleo de Criação Continuada

Publicado em 26 de agosto de 2018